Profa. PhD Antonina Gallotti
Como identificar melhor esse viesado Projeto de Lei do aborto? Um PL estuprador? Um PL penalizador da pessoa estuprada? Um PL do (para o) estupro? Um PL do feto? Um PL da vida? Tantos nomes, tanta polêmica, mas preocupação pouca com as crianças e os adolescentes. É claro que há muita politicagem envolvida. O que dizer de tudo isso? Quem me conhece sabe que detesto extremismos e pessoas radicais, independentemente de partidos. Minha bandeira sempre foi, principalmente, a das crianças, e minha escolha sempre será por quem melhor – da direita, da esquerda ou do centro – represente essa causa. Infelizmente, temos visto, nos últimos anos, a sociedade se fragmentar, a polarização crescer e pautas sendo aprovadas sob tramitação em regime descabido de urgência, em nome de ideologias, sem considerar a complexidade dos temas.
Explico meu pensamento e deixo claro que respeito as opiniões divergentes. Na atual discussão privada sobre ser “contra” ou “a favor” da interrupção da gravidez após 22 semanas de concepção em casos de violência sexual, especialmente envolvendo crianças e adolescentes, não tenho dúvidas de que o processo de encaminhamento do problema exige ampla participação democrática da sociedade. Quando não há reflexões, sem discriminação, em uma convenção representativa de todos os segmentos sociais, inclusive das Organizações Não-governamentais, cria-se um ar de desconfiança da maioria das comunidades acadêmicas, em termos de falta de seriedade e de justeza de autores político-partidários. Nos assentos dos cursos superiores, as análises pertinentes são realizadas, na maioria das assembleias específicas, sob os cuidados avaliativos com um rigor lógico-argumentativo.
Em se tratando de um complexo e impactante processo decisório de status jurídico, não se concebe que haja falácias tendenciosas. O viés político-ideológico pode, e deve, ser discutido no Congresso Nacional, mas nunca julgar sob o espectro do partidarismo parcial. No presente caso, destaque-se que a detecção de casos de violência sexual intrafamiliar, infantojuvenil, é desafiadora, condicionada à denúncia de terceiros, especialmente pela escola, ou da revelação espontânea das vítimas. Assim, até que se chegue ao diagnóstico de uma gestação decorrente de violência, muitos meses já se passaram.
Os impactos no corpo de uma mulher são significativos e, numa criança, são ainda mais delicados. É preciso enxergar que a vítima – criança, adolescente ou adulta – precisa de um sério aparato físico, psicológico, emocional e familiar. E o mais importante é educar para a prevenção, de forma a tornar lúcida a diferença entre abuso e afeto – tema também desgastado e conhecido, politicamente, como “educação sexual”. Aqui, eu não defendo o aborto em sua totalidade e radicalidade, como alguns propõem. Sempre serei a favor da vida. No entanto, tenho dificuldade para aceitar o projeto de lei, em pauta, nos termos em que foi apresentado. Pois punir vítimas ou médicos, que estão lidando, comprovadamente, com situações de violência sexual é um absurdo sem precedentes.
Talvez isso ocorra por falta de conhecimento dos detalhes sensíveis desses processos criminais, que tramitam em segredo de justiça, quando as pessoas não têm muita noção dos contornos dos fatos traumáticos que fazem parte do contexto, a exemplo de bebês com vaginas dilaceradas, crianças com infecções sexualmente transmissíveis e por aí vai. Vejo que uma possível abordagem acertada perpassa por iniciar qualquer discussão com esta pergunta: E se o caso ocorresse com a minha filha, como eu gostaria que ela fosse tratada?
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Obs. O espaço para a divulgação desta relevante matéria foi concedido pela presidência da ASAP-SE, com a intermediação do nosso associado e voluntário Prof. Eduardo Ubirajara.
Tenham bom proveito na reflexão do texto!
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