Manuel Messias da Silva Maciel(*)

Em meados de 1937, mudei-me para a capital do meu querido estado Sergipe que, naquela época, assim como as demais cidades interioranas, mantinha as tradições de cadeiras na calçada, principalmente, nas noites de luar. Nessa pequena capital nordestina, cresci, estudei, trabalhei, fiz-me homem e constitui uma linda família. A bela Aracaju, cantada em prosa e versos pelos seus poetas e seus cronistas, notadamente pelo saudoso Petrônio Gomes, que cantava os invejáveis areais de Aracaju, brancos como a neve.

Naquela época, Aracaju era privada dos mais elementares serviços. Poucas eram as casas com água encanada e o único meio de transporte coletivo eram os bondes elétricos, que foram retirados em prol de uma suposta mobilidade urbana. Os ônibus que iam a Salvador, na época chamados de “marinetes”, faziam ponto na Av. Ivo do Prado, alcunhada, “rua da frente”, embaixo dos “pés de figos”.

Entre a Ponte do Imperador e a Rua Maruim era possível observar os aviões da ‘Panair’ amerrissando. Eu, garoto, ficava impressionado com o pouso das aeronaves na água até aproximar de um pequeno hangar construído no meio do rio Sergipe, onde desembarcavam e embarcavam mercadorias. Nas tardes de domingo, essa distração enchia-me os olhos e, à noite, na retreta da Praça Fausto Cardoso, a diversão ficava por conta da banda do 28º Batalhão de Caçadores ou da banda da polícia militar, ao som das quais ficávamos admirando as mocinhas desfilarem. Mas nem tudo eram flores nessa pequena cidade.

Na manhã do dia 15 de agosto de 1942, espantei-me com a quantidade de grupos de pessoas que se formavam nas calçadas de Aracaju, comentando sobre o noticiado no programa Repórter Esso, por Heron Domingues, da antiga Rádio Nacional. Dois navios, Araraquara e Baependi, haviam sido torpedeados pelos alemães, na costa de Sergipe e da Bahia, respectivamente. No dia seguinte, a tragédia e o pânico se aproximaram, ainda mais, de Aracaju. Desta feita, foi torpedeado o navio Aníbal Benévolo, fazendo chegar às praias, especialmente a hoje denominada Praia dos Náufragos, cadáveres da tripulação e passageiros, além de mercadorias, prontamente saqueadas e vendidas no mercado Municipal, sob a alcunha de mercadorias “tchibum”.

E foram tantos os cadáveres trazidos às praias de Aracaju e não reclamados por parentes, que se construiu, na época, um cemitério, até hoje existente, porém mal cuidado, para sepultá-los. Mais adiante, em 31 de julho de 1943, um último navio, o Bagé, foi torpedeado nas costas de Sergipe, resultando, novamente, na morte da tripulação e passageiros. A pacata Aracaju, então, transformou-se de forma explosiva. Incontáveis grupos de protestos foram formados. Primeiro, desceram os grupos vindos do Bairro Industrial, fechando as fábricas ali sediadas, de punhos fechados e aos gritos de “Queremos Guerra! Queremos vingança!”.

Os grupos vasculhavam residências, procuravam por rádios transmissores, bradando, “Morte aos Nazistas! Morte aos entreguistas! Morte aos Integralistas!”, pois acreditavam que essa facção política, com camisas verdes e símbolo parecido com a suástica nazista no braço, passava informações para os alemães por esses meios de comunicação. Inicialmente, à procura de um suposto rádio transmissor, invadiram e destruíram completamente o escritório de Nicóla Mandarino. Muitos acreditavam ser ele um simpatizante do nazismo, que se comunicava com a Alemanha.

Após a destruição do escritório, localizado na esquina da avenida João Ribeiro com a avenida Coelho e Campos, invadiram e destruíram móveis e utensílios de uma casa, na esquina da Rua Santa Luzia, na qual residia o suspeito de ser aliado dos nazistas. Os vários grupos formados desceram, então, até a Praça Fausto Cardoso, onde sempre aconteciam os protestos e, por essa razão, cognominada, a “Praça do Povo”. Por todo país, manifestos dessa natureza pressionaram Getúlio Vargas, o presidente do Brasil na época, a declarar guerra, em 22 de agosto de 1942, à Alemanha, Itália e Japão, países que compunham o Eixo(**).

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 (*) Manuel Messias da Silva Maciel, consorte de Professora Maria de Lourdes Amaral Maciel, associada da ASAP. Ele é servidor  aposentado pelo INSS  e estudo o curso de Direito na UFS e na Tiradentes. Também é poeta e cronista.

 (**) Eixo – Na II Guerra, confrontavam-se o grupo dos países Aliados, liderados pela Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética e o grupo do chamado Eixo (Alemanha, Itália e Japão), que teve adesão de mais 5 países europeus, durante a Guerra: Hungria, Bulgária, Romênia, Croácia e Eslováquia.

Continua na próxima sexta-feira, dia 10!

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