Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, nos últimos anos, as mulheres têm conquistado cada vez mais espaços no ambiente acadêmico. Em 2019, 19,4% das mulheres com idade igual ou superior a 25 anos concluíram o ensino superior, em detrimento dos 15,1% de homens na mesma faixa etária, o que mostra uma tendência geral no aumento da escolaridade feminina no país.
Levando-se em consideração que o direito feminino de frequentar uma universidade surgiu apenas em 1879 – com autorização do cônjuge no caso de mulheres casadas e do pai em casos de mulheres solteiras -, o cenário é bastante otimista e transformador, mas ainda está longe de se mostrar igualitário.
Em 2021, por exemplo, o Censo de Educação Superior indicou que as mulheres são maioria dentre os estudantes matriculados nas universidades brasileiras. Dos 8.987.120 em todo o país, elas correspondem a 58,1% (5.249.275) e obtêm uma taxa de conclusão de 61% em três principais áreas de atuação: Educação (77,9%), Saúde e bem-estar (73,3%) e Ciências sociais, Comunicação e informação (72%). No entanto, quando se fala em docência no ensino superior, pesquisas feitas por comitês do Ministério da Educação (MEC) apontam uma realidade diferente, na qual mulheres ainda correspondem a minoria de 47% do total de 315.928 professores no país.
Estudante do 8º período do curso de Jornalismo na UFS, Paloma Freitas Costa, analisa a divergência dos números a partir dos desafios da graduação e da própria experiência frente a mulheres da família no ambiente acadêmico.
“Eu tive o privilégio de crescer e conviver com mulheres que adentraram a academia, mulheres mestres e doutoras. No entanto, ao mesmo tempo em que pude me espelhar nessa busca por uma profissão, por uma formação, por um título, também pude presenciar o quanto elas tiveram que abrir mão de suas vidas e de outros sonhos pela docência, uma vez que o próprio sistema acadêmico não funciona para que mulheres consigam produzir a partir de outras demandas sociais que lhes são impostas, tais como a maternidade e o trabalho de cuidado para com outros membros da família. Por um tempo, isso me afastou muito do sonho da docência, pois eu não queria renunciar outros projetos de vida para me dedicar única e exclusivamente à pesquisa e à sala de aula, já que isso não é exigido às figuras masculinas que estão no mesmo cenário”, explica Paloma, que só voltou a pensar sobre o assunto quando as discussões sobre produtividade feminina na docência superior ganharam espaço frente ao Conselho nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNPq).
No que se refere ä atuação enquanto estudante de comunicação, ela explica que ainda há barreiras referentes à questão de gênero, sobretudo quando os entrevistados são homens.
“A graduação em Jornalismo é predominantemente feminina e, no que se refere à instituição, percebo que técnicos e professores não fazem distinção de gênero, mas quando vamos às ruas desempenhar as atividades do curso, tais como entrevistas, temos que lidar com o olhar de desconfiança e julgamento, sobretudo das figuras masculinas, que pouco acreditam termos competência para desempenhar este papel social de comunicar. Parece que somos sempre insuficientes, que não temos informações o bastante”, diz a estudante.
Essas inquietações não são exclusivas de quem está na graduação. A ex-aluna de Licenciatura em Letras Vernáculas e, agora, professora do Departamento de Letras no Campus Itabaiana da UFS, Sara Rogéria Santos Barbosa, explica que o ambiente acadêmico ainda é hostil à presença feminina, mas que isso vem ganhando novos rumos com as percepções e mudanças sociais da atualidade, inclusive na UFS.
“O ambiente acadêmico, que é um ambiente de conhecimento e, consequentemente, de poder, ainda é muito hostil à presença feminina, uma vez que o direito à mulher de ingressar em universidades foi concedido muito tardiamente. Esse cenário é ainda mais profundo quando se fala da presença da mulher negra, pois, no conjunto social, percebemos que ela advém da base da pirâmide, da base dos serviços e, neste momento, ela passa a ascender e a ocupar espaços de transformação social até então nunca vistos e isso é extremamente relevante para o ambiente acadêmico e a construção do saber”, destaca Sara.
Ela ressalta ainda que, mesmo diante de um crescente avanço da presença feminina nos espaços acadêmicos, o fortalecimento deste cenário deve ser iniciado ainda na educação básica.
“A construção da ocupação desses espaços femininos nas universidades precisa ser iniciada na educação básica, promovendo o incentivo de priorizar a educação. Se isso não acontece, essas meninas não chegam ao ensino Médio nem à universidade. Existe um ganho estrutural com esse distanciamento e até quando ele é superado muitas mulheres se deparam com perguntas inapropriadas em seleções de mestrado e doutorado como, por exemplo, se há a perspectiva de que elas tenham filhos. Isso não é questionado aos homens. E por que a maternidade ou construção de uma família se tornam incompatíveis com a vida acadêmica? Precisamos pensar sobre isso”, diz a professora.
A coordenadora de Pesquisa da UFS, Renata Ferreira, corrobora as explicações da docente e salienta que o cenário feminino na docência, sobretudo na pesquisa, requer um olhar cada vez mais coletivo e de forma a quebrar as barreiras estruturais vigentes.
“Dentro do cenário feminino, fazer pesquisa requer uma grande rede de apoio, desde a familiar à institucional e a UFS tem buscado entender quais são as principais necessidades desse grupo, que é bastante diverso”, explica.
A disparidade no contexto entre a educação básica e a educação superior também é pontuada pela técnica em assuntos educacionais da UFS, Manuella de Aragão Pires. Graduada em Pedagogia pela instituição e servidora efetiva desde 2015, ela destaca que, embora com alguns avanços sociais, ainda existe um conflito estrutural no que se refere à presença feminina na comunidade acadêmica, sobretudo em cargos de gestão.
“É perceptível que, durante toda a educação básica, os papéis de gestão são entregues, em sua maioria, a mulheres, uma vez que a graduação em Pedagogia e a grande maioria das licenciaturas são cursadas por mulheres e atreladas, erroneamente, a um contexto de cuidado. Já no ensino superior, esse cenário muda e, por uma lógica estrutural associada ao conhecimento e não mais ao cuidado, os homens detêm a maioria dos cargos de gestão. É uma continuação dos papéis de cuidado para as mulheres e de detenção do saber para os homens. No entanto, o mais importante é ver que isso vem mudando nos últimos anos e que a UFS tem feito alguns movimentos para a equidade do seu corpo técnico e gestor. Durantes estes anos atuando como TAE, consigo perceber avanços no meu ambiente de trabalho e na própria estruturação da universidade para com as mulheres que nela estão”, explica Manuella.
Ainda em 2010, durante a sua graduação em Ciências Econômicas na UFS, Gildete Carneiro dos Santos já percebia avanços no que se refere aos espaços femininos na instituição, sobretudo numa área de atuação ainda predominantemente masculina, mas foi atuando como assistente administrativa no suporte ao cadastro de atividades de extensão (Caex/Proex) que ela pôde experenciar mais de perto o quanto as mulheres desempenham atividades significativas nas mais diversas áreas do ensino superior.
“De forma geral, minha classe era predominantemente masculina, mas ainda assim tínhamos o suporte do corpo docente e dos técnicos administrativos, o que me levou de certa forma a querer atuar na instituição. Desde 2012 como terceirizada, atuo no cadastro das atividades de extensão e percebo diariamente como mulheres do corpo docente e do corpo técnico estão cada vez mais inseridas não só no desenvolvimento de atividades e projetos, como também na concepção de pensá-los para outras mulheres e para a diversidade. Essa é uma forma de incentivo e de percepção de mudanças para todas nós”, conta Gildete.
I Encontro de gestoras
Com o objetivo de promover a troca de experiências, de fortalecer o networking entre mulheres em posições de liderança na universidade e discutir estratégias para promover a igualdade de gênero e o empoderamento feminino, a UFS realizará no próximo dia 27 de março o I Encontro de Gestoras da instituição.
De acordo com a pró-reitora de Gestão de Pessoas da UFS, Thais Ettinger, atualmente, 47% do corpo gestor da instituição é feminino, o que corresponde a uma média de 143 mulheres nas mais diversas áreas de atuação profissional.
“A participação feminina nos espaços da UFS tem sido fundamental para ampliar a diversidade de perspectivas e habilidades, contribuindo para quebrar estereótipos de gênero e promover um ambiente mais incluso e equitativo”, explica Thais.
Representatividade Feminina no Ambiente Acadêmico
Em conformidade com as prerrogativas de igualdade de gênero dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), a Universidade Federal de Sergipe também publicou nesta semana a 3ª edição do Edital Temático – Representatividade Feminina no Ambiente Acadêmico para apoio a projetos de pesquisa relativos à linha temática “Representatividade feminina no ambiente acadêmico”. É possível submeter um projeto com até três planos de trabalho vinculados e seão concedidas até 25 bolsas, com duração de sete meses, para discentes de graduação.
É possível realizar inscrição até o dia 1º de abril, exclusivamente via Sigaa. Para mais informações, confira o edital aqui.
Jéssica Vieira – Ascom UFS
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