Manuel Messias da Silva Maciel

Na matéria de sexta-feira passada, referi-me, um pouco nos primeiros dois parágrafos, às minhas lembranças em Aracaju, desde o ano 1937, quando cheguei a esta abençoada cidade. Era a época das marinetes, transporte coletivo para viagem a Salvador. Ainda, no segundo e no terceiro parágrafos, destaquei alguns hábitos culturais da época, em particular sobre a curiosidade do povo – incluindo-me -, a exemplo de assistir às amerrissagens dos aviões da Panair, a partir da esquina da Rua Maruim com a Rua “da Frente”. Não pude deixar de citar as retretas, ao som da banda sinfônica do 28º Batalhão de Caçadores ou da Polícia Militar, que se apresentavam, nas noites de domingo, no coreto da Praça Fausto Cardoso.

Em seguida, falamos sobre os bombardeios de navios dos países “aliados”, por parte da Alemanha, um dos países do chamado “Eixo”, nossos inimigos. Isso na costa de Sergipe, Movimentos locais começaram a exigir que o presidente do Brasil, Getúlio Vargas, decidisse incluir o Brasil no bloco dos Aliados.

Apesar dos protestos de Aracaju desenrolassem, vez por outra, na Praça Fausto Cardoso, o mesmo não ocorria no Parque Teófilo Dantas, que seguia como principal ponto de lazer, daquela época, para adultos e crianças. Ali já estava a bela Catedral Metropolitana, circundada pela vegetação nativa e por variedade de aves, além de uma onça parda, que se abrigava na “Gruta da Onça” e que foi, mais tarde, retirada por um órgão de proteção aos animais, pois não era bem cuidada.

Era, também, no Parque Teófilo Dantas onde existia uma oca de índios, atração turística e de visitação escolar. A estrutura foi erguida da mesma forma que os índios a construíam, com formato circular, em barro socado e coberta por palha prensada, deixando, apenas, uma pequena abertura para entrada e saída. No seu interior, o piso era, parcialmente, coberto por peles de animais sobrepostas em palhas, deixando sem proteção a parte de circulação dos habitantes e o local onde depositavam seus utensílios domésticos, de defesa, caça e pesca. Do lado de fora da oca existia uma canoa feita com tronco de árvore, que dispunha de remos e, próxima a ela, a grande atração do local: a réplica de um casal de índios e o filho deles.

A pequena família indígena, que foi esculpida em tamanho natural, em metal que desconheço a origem, de cor acobreada, tinha, à frente, o índio com a expressão firme e decidida, na mão direita levava um tacape e a mão esquerda com o dedo indicador em riste próximo aos lábios, pedia cautela e silêncio. Logo atrás, a índia, sua companheira, trazia uma criança adormecida, escanchada no quadril. Suas feições, ao contrário das do seu companheiro, demonstravam temor e receio. As esculturas atraíam a atenção de adultos e crianças, sendo que essas últimas não se continham ao desejo de pegá-las, atitude que sempre era coibida pelos guardas da atração. Inobstante os cuidados para evitar que as esculturas fossem tocadas, nada impedia o acesso à atração, pois não havia, à noite, proteção de grades e sequer os guardas que tomavam conta do local, nos horários de visitação.

Certo dia, entretanto, crianças e adultos assomaram ao Parque Teófilo Dantas ante a notícia de que a referida obra havia “desaparecido” do local. A perplexidade era geral: como, porquê, quando e quem retirou aquelas belíssimas obras de arte (?). Essas perguntas surgiam na cabeça de todos, até que um garoto mais desinibido, em voz alta, formulou-as. Um guarda que estava no local e cuja presença já não se fazia necessária, pois restavam apenas escombros, deu uma resposta que jamais esqueci: “Foram retiradas como ESFORÇO DE GUERRA!”.

Sem entender o que significava o tal “esforço de guerra”, pediram que esclarecesse a expressão, tendo o guarda dito que as esculturas foram derretidas e transformadas em projéteis a serem usados pelo Brasil, na guerra contra os nazistas. Até hoje, não sei se o guarda acreditava, realmente, na informação que tinha fornecido ou se foi orientado a assim proceder. Tampouco sei qual o destino verdadeiro da belíssima obra, pois, até onde me lembro, o desaparecimento jamais foi esclarecido. Como se vê, naquela época, já existiam pessoas que não zelavam pelo patrimônio público, que não se importavam em lançar mão daquilo que não lhes pertencia, que não tinham respeito pela coisa alheia e, menos ainda, pela coisa pública. Naquela época, as infrações também caíam no esquecimento e não havia muito empenho em encontrar e punir seus autores e retomar o que foi, de forma indevida, subtraído.

“E tudo continua como dantes no quartel de Abrantes!”

Aracaju (SE), 17/03/2024

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